Noite de glamour no templo das Ruínas de Lagoinha

 
Revitalização


A parceria entre Fundart, Prefeitura Municipal de Ubatuba e Secretaria de Recuperações de Bens Culturais do Governo do Estado de São Paulo possibilitou a revitalização das ruínas da Lagoinha.
Seguindo o projeto elaborado pela secretaria e contando com a aprovação do Ibama e DPRN, a Fundart e a Prefeitura se encarregaram de cercar a limpar a área, sinalizar a estrada e melhorar o seu acesso. Além de instalar iluminação apropriada para o Patrimônio Histórico, doada pelo instituto de recuperação do Patrimônio Histórico no Estado de São Paulo.
Permitir a preservação do que restou de uma das heranças históricas e culturais de Ubatuba - as ruínas da Fazenda Bom Retiro da Lagoinha, localizadas no km 72 da rodovia SP-55 - foi o principal objetivo dessa parceria que possibilitará ainda a criação de um novo ponto de atração turística e cultural da região. 


Noite solene


A histórica noite solene da entrega oficial da Revitalização das Ruínas da Lagoinha, dia 19, contou com a presença de autoridades municipais e estaduais, representadas na pessoa do secretário de Recuperação de Bens Culturais, Emanuel Von Lauenstein Massarani, que durante a cerimônia entregou à Fundart e a Eliana Inglese os títulos de "Defensores de Bens Culturais", em homenagem a contribuição da entidade e sua presidente na luta pela preservação da história e arquitetura do município.
Através do jornal "A Semana", o secretário deixa um recado a toda população: "Antes de tudo, esta é uma homenagem a comunidade residente em Ubatuba e de passagem pelo município. As atividades culturais são inteiramente ligadas a parte turística; então, este casamento turístico-cultural é importantíssimo para a preservação de nossa memória. O que nós pedimos e apelamos, é que cada cidadão torne-se um preservacionista deste espaço como patrimônio histórico edificado, como patrimônio ambiental que é a nossa Mata Atlântica. Que visitem e tragam seus amigos e família; que orem neste que é um templo da natureza e que não o danifiquem."
Ressaltou que somente com a parceria foi possível concretizar a revitalização das ruínas, ter realizado exposições, o projeto de restauro do Casarão do Porto e o levantamento para criar o memorial da cidade dentro do prédio da Cadeia Velha. 
A noite tomou-se pelo glamour, no templo das ruínas de Lagoinha pelos cantos e encantos dos "Cavaleiros do Novo Milênio", especialistas em cantos gregorianos, e também estilos populares que ousaram ao interpretar a canção "Luar do Sertão", marcando umas das mais belas cerimônias de nossa história com as estrofes: 
Se Deus fez belo o luar lá do sertão
Sobretudo em Ubatuba ele pôs a sua mão
As lindas praias, verdes matas e luares
Gente atrai de mui lugares, é orgulho da Nação

A Lagoinha do Paraíso se avizinha
Como a Pero Vaz Caminha, apaixonada o coração
Em suas ruínas minha alma se aninha
Como linda andorinha que vem cá entrar canção...


Histórico:
Ruínas da Fazenda Bom Retiro da Lagoinha


As ruínas em pedra e cal da Fazenda Bom Retiro estão localizadas próximo ao km 72, da rodovia SP-55, sentido serra, construídas, segundo estudos recentes, provavelmente no início do século XIX, antes da abertura de subscrição pública-venda de ações, por um dos primeiros proprietários da Lagoinha, o engenheiro francês Stevenné, em 1828.
São remanescentes de uma Ubatuba próspera, quando em seu porto era negociada e exportada a produção valeparaibana, trazida pelos tropeiros pela estrada Ubatuba-São Luís do Paraitinga, e a Ubatubana (aguardente, açúcar mascavo, milho, fumo...). 
Nesse período, assim como Stevenné, muitos outros estrangeiros, como Vigneron Jussilendiere, Garroux, Bourget (Borgete ou Borges), Charleux, Bruyer (Brié ou Brulher), etc., foram atraídos para a abastada Vila da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba.


Tombamento de um patrimônio histórico


As ruínas do antigo engenho da Fazenda Bom Retiro da Lagoinha foram tombadas pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico do Estado de São Paulo), através do processo 554/75, resolução 69, em 16 de dezembro de 1985, para sua proteção e valorização enquanto patrimônio histórico de suma importância para o município. Foi classificado como engenho devido ao grande aqueduto existente e ao que restou das instalações de um roda d'água.
O terreno onde se encontram as ruínas foi doado pelo senhor Jamil Zantut e sua esposa, Benedicta Corrêazantut, à Fundart (Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba), através de escritura pública (livro 1913, folhas 60, em 19 de outubro de 1989).


Os grandes proprietários da Lagoinha


No início do século XIX, o engenheiro francês João Agostinho Stevenné ou Steveninc, proprietário também da Maranduba e Sapé, criou na Lagoinha um engenho de açúcar: uma grande Fazenda modelo, escola para o ensino de novas técnicas para a fabricação de açúcar e introdução e propagação de carneiros merinós para a produção de carvão animal, através de abertura de processo de subscrição pública de ações (venda de ações). 
A fazenda entrou em decadência por volta de 1850 com a evolução das técnicas agrícolas. As datas de compra da propriedade Porsteenné, anterior à da abertura de ações e de venda do engenho da Lagoinha, são desconhecidas e objeto de estudo pelo Departamento de Patrimônio, Biblioteca e Arquivo da Fundart.
Segundo relatos orais e recentes pesquisas, outro importante proprietário foi o Capitão Romualdo, já no final do século. Possuidor de vasta cultura de café e cana-de-açúcar, fabricante e exportador de aguardente e açúcar mascavo, seus escravos teriam ganho a liberdade com a abolição da escravatura, mas, sem terem para onde ir e por gratidão e amizade, permaneceram até o falecimento do fazendeiro. O Capitão Romualdo ainda teria iniciado a construção da primeira fábrica de vidros no Brasil, para embalar a aguardente para exportação, fato não comprovado, nem mesmo pela existência de três colunas de sustentação. 
Na entrada do Condomínio Lagoinha, do lado da praia, forma encontrados registros de batizados de escravos de Romualdo Antônio de Oliveira, na Lagoinha, de 1836 a 1883, juntamente com membros da família Oliveira e família Prado. Os descendentes dos Prados da Lagoinha, Catarina Oliveira do Prado, Manoel Hilário Filho e Washington de Oliveira (seu Filhinho), declararam que o patriarca, Hilário Vicente do Prado, teria sido vizinho e compadre do capitão e de sua esposa Mariana.


A fábrica de vidros pelo arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin


As referências que faz à "Fábrica de Vidro" são fantasiosas: "... planejou (o capitão Romualdo) exportar aguardente, para o que necessitava vasilhame, foi assim que deu início à construção de uma fábrica de garrafas nas proximidades da praia, que não conseguiu (?) e cujos pilares permanecem de pé, eretos... (...)"
A 200m do mar e separados do engenho pela SP-55, estão em pé três pilares em pedra e cal, parte de um conjunto maior, de oito ou mais pilares que definem um edifício retangular com 18 metros de largura por 50 ou 60 metros de comprimento. Os pilares que restaram têm aproximadamente dez metros de altura e há furos para recebimento de vigas de madeira a seis metros do solo.
Não é possível determinar se essa estrutura pertencia ou não a uma "fábrica de vidro". Por outro lado, o pé-direito de quase seis metros é pouco comum para uso exclusivamente residencial. É possível que abrigasse alguma fábrica no pavimento térreo e residência no sobrado, porém é difícil aceitar a convivência de uma fábrica de vidro com qualquer outro uso no pavimento superior: o vidro é fabricado a partir de um forno de alta temperatura que despreende muito calor, tornando impossível a utilização de um sobrado. Acredita-se que o termo "Fábrica de Vidro", que é associado àquela estrutura, possa também se referir à embalagem de aguardente, apenas. As referências à produção agrícola e manufatura de Ubatuba, nos séculos XVIII e XIX, citam sempre pipas e tonéis como contenedores de aguardente e nunca garrafas ou vidros." - In: Sinópses, nº 12 - páginas 3 a 22 - novembro de 1989 - artigo de período da Fau/Usp - Carlos Augusto Matteifaggin


Penhora e Salvamento


A Fundart quase perdeu o seu único bem por conta de dívidas, nos anos de 95 e 96, pois deixou de recolher o INSS da empresa e o FGTS de seus funcionários. A dívida chegou a um montante de mais de R$ 900.000. A Fundart já havia recebido vários mandados de citação a respeito disto. Quando a atual diretoria assumiu a Fundart, em fevereiro de 1997, o terreno das ruínas estava penhorado, e já tinha data marcada para leilão. O primeiro passo tomado em relação a este problema foi a renegociação das dívidas através da prefeitura. Assim, as ruínas foram salvas de um possível comprador em leilão que poderia derrubar a construção.